06/06/2018 ( Caderno:
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Bioma tem, atualmente, apenas 21% de sua vegetao original intacta
Segundo maior bioma sul-americano (depois da Floresta Amaznica), o Cerrado o ambiente de savana com maior biodiversidade no mundo e est desaparecendo rapidamente.
At os anos 1960, o Cerrado se manteve bastante preservado, mas fatores como a expanso acelerada da pecuria e da fronteira agrcola levaram o bioma a ter atualmente apenas 21% de sua vegetao original intacta, segundo a Conservao Internacional.
A vegetao do Cerrado composta por gramneas, arbustos e rvores esparsas. So plantas adaptadas a sobreviver durante os longos perodos de estiagem que caracterizam a estao seca. Quando chegam as primeiras chuvas, no entanto, tudo muda e o Cerrado floresce. As sementes dos mais diversos gneros e famlias de plantas tpicas do bioma germinam ao mesmo tempo, como se fossem os instrumentos de uma grande orquestra tocando em unssono.
Um estudo feito na Universidade Estadual Paulista (Unesp) revela as diferentes estratgias dos diversos grupos de plantas do Cerrado para frutificar e dispersar, ao longo do ano, sementes que germinam com a chegada das chuvas. Resultados do trabalho foram publicados nosAnnals of Botany.
Em regies tropicais com clima sazonal, a disponibilidade de gua no solo o principal fator que limita o estabelecimento e o crescimento de mudas. Em ecossistemas tropicais sazonais, o tempo em que as sementes germinam regulado pela relao entre a fenologia de frutificao e a dormncia das sementes, disse o bilogo colombianoDiego Fernando Escobar, primeiro autor do artigo e doutorando no Instituto de Biocincias da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro,com bolsa da FAPESP.
Em geral, espcies que dispersam sementes no incio da estao chuvosa possuem sementes no dormentes, que germinam rapidamente se o teor de umidade do solo for adequado. Sementes dispersas no fim da estao chuvosa e incio da estao seca perodo em que as condies climticas para o estabelecimento das plntulas (embries vegetais) so inadequadas entram em estado de dormncia, preservando propriedades germinativas para a chegada da prxima estao chuvosa.
A relao entre a fenologia de frutificao e a dormncia nos trpicos foi testada no nvel comunitrio para os ecossistemas florestais, mas os estudos nas savanas so escassos, restritos a certos clados [ramos da rvore filogentica], dificultando a compreenso dos padres gerais de regenerao para essehotspotde biodiversidade, disse Escobar.
Alm disso, tais estudos no consideram diferentes classes de dormncia e sndromes de disperso. A relao entre as classes de dormncia e as caractersticas de histria de vida das espcies [como as diferentes pocas de disperso e as caractersticas das sementes] no so totalmente compreendidas para as savanas, disse Escobar.
Buscamos verificar se o padro de frutificao, disperso e germinao de sementes no Cerrado correspondia ao que ocorre em outros ecossistemas tropicais sazonais, disse.
Embora a dormncia das sementes seja considerada o principal mecanismo de controle do momento da germinao das sementes em ecossistemas sazonais, alguns estudos sugerem que a germinao das sementes controlada tanto pela dormncia como pelo perodo de disperso das sementes. Foi exatamente isso o que conseguimos verificar, disse Escobar.
O estudo foi feito sob orientao da professoraPatricia Morellato, chefe do Laboratrio de Fenologia, Departamento de Botnica do Instituto de Biocincias da Unesp de Rio Claro, e colaborao do professor Fernando Augusto de Oliveira e Silveira, do Departamento de Botnica da Universidade Federal de Minas Gerais.
Disperso de sementes
Escobar coletou sementes de plantas dispersas entre maro de 2015 e maro de 2016, com intervalos regulares de 15 dias entre cada coleta. Foram reunidas sementes de 34 espcies pertencentes a 28 gneros e 16 famlias, incluindo 31 espcies lenhosas e trs herbceas.
Foram coletados frutos de pelo menos 10 indivduos de cada espcie, com exceo de pau-terra (Qualea dichotoma), ucuuba-vermelha ou ucuuba-do-cerrado (Virola sebifera) e pau-santo (Kielmeyera coriacea), para os quais se coletou frutos de apenas um indivduo por espcie.
O objetivo foi determinar a proporo de espcies com dormncia na comunidade de Cerrado e os fatores climticos e da histria natural associados com a dormncia.
Descobriu-se que as propores de espcies dormentes e no dormentes do Cerrado eram semelhantes (47,1% e 52,9%, respectivamente). Uma vez que os dados de germinao foram tabulados, passou-se para a segunda fase do trabalho: identificar qual a poca em que as diversas espcies frutificam e dispersam sementes.
Os padres de frutificao do Cerrado so caracterizados pela produo de frutos maduros ao longo do ano, mas uma grande proporo de espcies frutifica ao final da estao seca e incio da estao chuvosa, explicou Escobar.
Entre as espcies estudadas, 38,2% dispersaram sementes durante a estao chuvosa, 14,7% na transio entre a chuva e a seca, 20,6% na estao seca e 26,5% na transio seco para chuvoso. Isso s foi possvel graas a um banco de dados com informaes relativas fenologia da frutificao das plantas do Cerrado.
Essas informaes da fenologia tm sido coletadas desde 2004 e foram reunidas ao longo de 14 anos de pesquisa apoiadas pela FAPESP em uma reserva particular no municpio de Itirapina, no Estado de So Paulo. Mais alm, foi determinado o mtodo de disperso para o qual cada espcie adaptada.
H entre as plantas do Cerrado trs tipos de disperso de sementes. As sementes zoocricas so dispersas pela ao de animais e as anemocricas pela ao dos ventos. As plantas autocricas espalham suas sementes sem a ajuda de qualquer agente externo, ou seja, as sementes autocricas simplesmente caem ao solo ao lado da planta-me.
As espcies zoocricas tm frutos carnosos ou estruturas carnosas envolvendo parcial ou totalmente as sementes. As espcies anemocricas tm sementes com estruturas adaptadas para aproveitar a fora dos ventos. J as espcies autocricas no tm estruturas carnosas nem mostram estruturas conhecidas por facilitar a disperso elica.
Analisando os dados, Escobar verificou que a zoocoria foi a sndrome de disperso mais comum entre as plantas do Cerrado de Itirapina (64,7%), seguida por anemocoria (20,6%) e, por fim, a autocoria (14,7%).
Alm de determinar quais espcies da reserva de Itirapina apresentam dormncia e quais no, os ensaios de germinao em laboratrio permitiram determinar as condies de temperatura necessrias para germinar as sementes de cada uma das 34 espcies.
Para os experimentos de germinao, as sementes foram colocadas em placas de Petri com duas camadas de papel de filtro saturado com gua destilada sob luz branca 24 horas por dia e at cinco temperaturas constantes (15, 20, 25, 30 e 35 C). Para cada espcie, foram testadas entre 120 e 150 sementes para cada temperatura, de acordo com a disponibilidade de sementes.
A germinao foi determinada pela curvatura da radcula ou protruso das estruturas areas. Os experimentos foram monitorados trs vezes por semana durante um ms, aps o qual a germinao foi monitorada semanalmente por um perodo mximo de 12 meses ou at que a curva de germinao fosse estabilizada.
A temperatura tima de germinao para cada espcie foi determinada como a temperatura ou matriz de temperaturas com maior porcentagem de germinao e taxa de germinao. A temperatura tima para germinao das sementes da maioria das espcies ficou entre os 25 C e os 30 C.
Os experimentos de germinao indicaram que o momento da germinao das sementes na comunidade do Cerrado controlado tanto pela estao de disperso (incio da estao chuvosa) quanto pela dormncia, diferindo de outros estudos em ecossistemas sazonais, incluindo savanas, que reconhecem a dormncia como principal mecanismo de controle da germinao, disse Escobar.
A maioria das espcies germinou no incio da estao chuvosa e tanto a estao de disperso quanto a dormncia das sementes controlaram o tempo de germinao das sementes.
A probabilidade de uma espcie estar dormente dependia da interao entre estao e tipo de disperso, onde espcies com disperso limitada (autocoria) tendiam a estar dormentes enquanto espcies com disperso de sementes a maiores distncias (anemocoria e zoocoria) tendiam a ficar dormentes se houvesse disperso durante a transio da chuva para a seca.
A disperso durante a transio entre a chuva e a seca favorece a evoluo da dormncia das sementes, pois as condies ambientais so favorveis germinao, mas no ao estabelecimento de plntulas, explicou Morellato.
Evitar a germinao durante a estao seca uma vantagem qual todas as plantas do Cerrado se adaptaram. No estudo, todas as espcies que dispersaram sementes prximas ao incio da estao seca apresentaram sementes dormentes independentes da taxonomia ou da sndrome de disperso. Por outro lado, a dormncia em espcies autocricas pode estar relacionada diminuio da competncia entre mudas irms, distribuindo o risco de mortalidade das plntulas ao longo do tempo.
Sabemos agora que a fenologia [estudo das relaes entre processos ou ciclos biolgicos e o clima] da frutificao e germinao de sementes das plantas no Cerrado no segue exatamente os padres encontrados em outros ecossistemas tropicais sazonais. Trata-se do primeiro estudo abrangente abordando a ecologia da dormncia de sementes em uma comunidade de Cerrado, visando avaliar a relao entre fenologia de frutificao e dormncia de sementes e como esta relao modulada por classes de dormncia, sndromes de disperso e massa de sementes e umidade, disse Morellato.
Segundo a professora da Unesp, alm de mostrar padres de fenologia de frutificao e germinao em nvel de comunidade no Cerrado, os resultados do estudo esclarecem como as classes de dormncia so moduladas pela interao entre estao e sndrome de disperso, permitindo uma melhor compreenso da evoluo das sementes.
Uma consequncia das concluses do estudo que, nos casos de tentativas de restaurao ecolgica do Cerrado com suas espcies nativas, esta precisa ser feita levando em conta a poca do ano. Se no for assim, no vai funcionar. As sementes ou no iro germinar ou as plntulas vo morrer antes de terem tempo de estender razes e acumular recursos para sobreviver na estiagem, disse Morellato.
O artigoTiming of seed dispersal and seed dormancy in Brazilian savanna: two solutions to face seasonality, de Diego F. E. Escobar, Fernando A. O. Silveira e Leonor Patricia C. Morellato, est disvel em:academic.oup.com/aob/article-abstract/121/6/1197/4841709?redirectedFrom=fulltext.