07/05/2019 ( Caderno:
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Declnio da biodiversidade resultado direto da atividade humana e representa
uma grave ameaa ao bem-estar em todas as regies do planeta,
destacam autores da primeira avaliao global do estado da natureza
As taxas de extino de espcies animais e vegetais esto aumentando em uma escala sem precedentes. A abundncia mdia de espcies nativas na maioria dos principais hbitats terrestres caiu em, pelo menos, 20%, principalmente desde 1900. Mais de 40% das espcies de anfbios, quase 33% dos corais e mais de um tero de todos os mamferos esto ameaados.
Essa perda resultado direto da atividade humana e constitui uma grave ameaa ao bem-estar humano em todas as regies do mundo, alerta um grupo de cientistas de 50 pases, incluindo do Brasil. Eles so autores da primeira avaliao global do estado da natureza da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Servios Ecossistmicos (IPBES, na sigla em ingls).
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O sumrio para os formuladores de polticas do relatrio foi lanado nesta segunda-feira (06/05), em Paris, aps ter sido aprovado por 132 pases durante a stima sesso plenria do rgo, chamado de “IPCC para a biodiversidade”, que aconteceu na semana passada na capital francesa.
“A sade dos ecossistemas de que toda a humanidade e as espcies dependem est se deteriorando mais rapidamente do que nunca. Estamos erodindo os prprios alicerces de nossas economias, meios de subsistncia, segurana alimentar, sade e qualidade de vida em todo o mundo”, disse Robert Watson, presidente da IPBES.
Elaborado ao longo dos ltimos trs anos por 145 especialistas, com contribuies de outros 310 autores, o relatrio avaliou mudanas na biodiversidade e nos servios ecossistmicos – como o fornecimento de alimentos e de gua – durante as ltimas cinco dcadas. Para isso, foi feita uma reviso sistemtica de cerca de 15 mil fontes cientficas, governamentais e de conhecimento indgena e de comunidades tradicionais.
“Esse primeiro relatrio intergovernamental que foca no s a biodiversidade, mas tambm suas interaes com trajetrias de desenvolvimento econmico e com fatores que afetam a natureza, como as mudanas climticas”, disse Eduardo Sonnewend Brondizio, professor da Indiana University, dos Estados Unidos, Agncia FAPESP.
“Nunca tantos dados, de diferentes reas, como das cincias naturais e sociais, foram reunidos para fazer uma avaliao detalhada da condio do ambiente em escala global e em uma perspectiva integrada de interao com a sociedade”, disse Brondizio.
Radicado h mais de 20 anos nos Estados Unidos, o cientista brasileiro, que foi um dos trs copresidentes do relatrio, um dos pesquisadores responsveis por um projeto apoiado pela FAPESP em parceria com o Belmont Forum – um consrcio das principais agncias financiadoras de projetos de pesquisa sobre mudanas ambientais no mundo.
Os outros brasileiros autores do relatrio so Ana Paula Aguiar, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe); Bernardo Baeta Neves Strassburg, do Instituto Internacional de Sustentabilidade (ISS); Cristina Adams, da Universidade de So Paulo (USP);Gabriel Henrique Lui, do Ministrio do Meio Ambiente; Maria Manuela Ligeti Carneiro da Cunha, da USP; Pedro Henrique Santin Brancalion, tambm da USP; e Rafael Dias Loyola, da Universidade Federal de Gois (UFG).
“A contribuio dos autores brasileiros foi excepcional porque todos eles conseguiram trazer uma perspectiva social e ecolgica integrada para o relatrio. Eles colocaram suas respectivas especialidades, como ecologia, polticas pblicas e cenrios ambientais, em um contexto interdisciplinar”, disse Brondizio.
Rede mais desgastada
O relatrio aponta que ecossistemas, espcies, populaes selvagens, variedades locais de plantas e de animais domesticados esto encolhendo, deteriorando ou desaparecendo. Dessa forma, a rede essencial e interconectada da vida na Terra est ficando menor e cada vez mais desgastada.
Pelo menos 680 espcies de vertebrados foram levadas extino desde o sculo 16 e mais de 9% de todas as raas domesticadas de mamferos usados para alimentao e agricultura foram extintas at 2016. Alm disso, estima-se que 1 milho de espcies animais e vegetais esto agora ameaadas de extino.
Entre os fatores responsveis por esse declnio de espcies esto, em ordem decrescente, as mudanas no uso da terra e do mar, a explorao direta de organismos, as mudanas climticas, a poluio e espcies txicas invasoras.
Desde 1980, as emisses de gases do efeito estufa dobraram, elevando a temperatura mdia global em pelo menos 0,7 C. O aquecimento global j tem afetado a natureza, do ecossistema gentica das espcies, e os impactos devem aumentar nas prximas dcadas, em alguns casos, superando o impacto da mudana do uso da terra e do mar e outros fatores, apontam os autores.
“O sumrio mostra que a situao da biodiversidade e dos servios ecossistmicos, essenciais para a qualidade de vida, ainda mais crtica do que a do aquecimento global”, disse Carlos Joly, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do programa BIOTA-FAPESP.
Joly coordenou o Painel Multidisciplinar de Especialistas da IPBES nos seus primeiros anos de existncia, ao lado do australiano Mark Londsdeale, da Organizao de Pesquisa Cientfica e Industrial da Commonwealth (CSIRO), e membro da coordenao da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Servios Ecossistmicos (BPBES, na sigla em ingls), cuja criao foi inspirada na IPBES.
O relatrio tambm destaca que trs quartos do meio ambiente terrestre e 66% do ambiente marinho foram significativamente alterados pelas aes humanas. Em mdia, essas tendncias foram menos severas ou evitadas em reas mantidas ou geridas por povos indgenas e comunidades locais.
Mais de um tero da superfcie terrestre do mundo e quase 75% dos recursos de gua doce so agora dedicados produo agrcola ou pecuria. O valor da produo agrcola aumentou em cerca de 300% desde 1970, a extrao de madeira aumentou em 45% e aproximadamente 60 bilhes de toneladas de recursos renovveis e no renovveis so extrados globalmente a cada ano – nmero que quase duplicou desde 1980.
A degradao da terra, contudo, reduziu a produtividade de 23% da superfcie terrestre global. At US$ 577 bilhes em safras globais anuais esto em risco de perda de polinizadores e entre 100 e 300 milhes de pessoas esto em risco aumentado de inundaes e furaces devido perda de hbitats costeiros e proteo, ressaltam os autores do relatrio.
A poluio plstica cresceu 10 vezes desde 1980 e entre 300 e 400 milhes de toneladas de metais pesados, solventes, lama txica e outros resduos de instalaes industriais so despejados anualmente nas guas do mundo.
Os fertilizantes usados na agricultura e que entram nos ecossistemas costeiros produziram mais de 400 "zonas mortas" ocenicas, totalizando mais de 245 mil quilmetros quadrados (km2) – uma rea combinada maior que a do Reino Unido, calcularam os pesquisadores.
“O relatrio mostra que as populaes mais ricas ou privilegiadas se acostumaram a ignorar os problemas ambientais porque no convivem com os impactos no dia a dia. So as populaes mais pobres ou menos privilegiadas que esto sofrendo o impacto desse padro de vida, na forma de poluio, desmatamento e atividades de minerao em lugares longe dos olhos do resto do mundo”, disse Brondizio.
Segundo os pesquisadores, as tendncias negativas na natureza continuaro at 2050 e, alm desse perodo, persistem em todos os cenrios de poltica explorados no relatrio, exceto aqueles que incluem mudanas transformadoras – devido aos impactos projetados de mudanas crescentes no uso da terra, explorao de organismos e mudana climtica, embora com diferenas significativas entre regies.
Apesar do progresso nas polticas de preservao, os autores consideram que as metas globais para conservar e usar a natureza de forma sustentvel e para alcanar a sustentabilidade no podem ser alcanadas nas trajetrias atuais. As metas at 2030 e para alm desse perodo podem ser alcanadas apenas por meio de mudanas transformadoras e de fatores polticos e tecnolgicos, ponderam.
Uma das aes indicadas a adoo de abordagens integradas e intersetoriais de gesto que levem em conta as compensaes da produo de alimentos e energia, infraestrutura, manejo de gua doce e costeira e conservao da biodiversidade.
“Ainda no chegamos a um ponto de irreversibilidade na perda de biodiversidade e a consequente degradao dos servios ecossistmicos essenciais para a qualidade de vida. Se tomarmos decises agora, para, em conjunto e de forma coordenada e cooperativa, promovermos mudanas transformativas integradas, inclusivas e baseadas no melhor conhecimento cientfico disponvel, possvel reverter a velocidade da degradao”, disse Joly.
“Isso passa, obrigatoriamente, por conseguir cumprir as metas do Acordo de Paris, pois o aquecimento global j um dos principais impulsionadores da perda de biodiversidade e degradao dos servios ecossistmicos”, ressaltou.
Os autores tambm identificam como um elemento-chave de polticas futuras mais sustentveis a evoluo dos sistemas financeiros e econmicos globais, visando a construo de uma economia global sustentvel, afastando-se do atual paradigma limitado de crescimento econmico.
“O relatrio mostra que preciso mudar a narrativa de que o desenvolvimento econmico um fim em si mesmo e que todos os custos para alcan-lo, como a degradao ambiental e a desigualdade social, so inevitveis e justificveis”, disse Brondizio.