26/01/2021 ( Caderno:
Seção Saúde )

Estudo realizado com mais de 200 pacientes internados no Hospital
das Clnicas da USP e no Hospital de Campanha do Ibirapuera
mostra que os indivduos que se exercitam com regularidade no
esto totalmente protegidos contra a doena
Estudos recentes sugerem que a prtica regular de exerccios fsicos pode estar associada reduo de hospitalizao por COVID-19. No entanto, para indivduos que desenvolvem a forma grave da doena, a proteo conferida pelo exerccio fsico deixa de funcionar, no resultando em diferenas no tempo de internao, na necessidade de ventilao mecnica ou de tratamento intensivo.
Foi o que mostrou uma pesquisa com 209 pacientes com COVID-19 grave internados no Hospital das Clnicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo (FM-USP) e no Hospital de Campanha do Ibirapuera, na capital paulista. Os resultados indicam que o fato de os pacientes terem o hbito de se exercitar regularmente antes da internao no foi determinante para o melhor enfrentamento da doena.
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“Esse estudo serve como um sinal amarelo para a populao que se exercita com regularidade e, por isso, acredita estar totalmente protegida. No encontramos diferena de prognstico e desfecho da doena entre os pacientes graves mais ou menos ativos. Isso mostra que os benefcios da atividade fsica existem, mas aparentemente vo s at um ponto da gravidade da doena”, afirma Bruno Gualano, professor da FM-USP e autor do estudo.
Os dados completos da pesquisa, que contou com apoio da FAPESP, foram divulgados em artigo publicado na plataforma medRxiv , ainda sem reviso por pares. A investigao foi conduzida em parceria com o Laboratrio de Metabolismo sseo, coordenado por Rosa Maria Rodrigues Pereira , tambm da FM-USP.
A COVID-19 uma doena viral infecciosa que pode progredir para casos inflamatrios mais graves. Como ainda no existe um medicamento especfico para combater o vrus SARS-CoV-2, o tratamento hospitalar consiste em lidar com os vrios sintomas da infeco e dar suporte respiratrio aos pacientes, se necessrio.
Como explica Gualano, a prtica de atividade fsica reconhecida por seu efeito protetor contra doenas crnicas. Ela tambm fortalece o sistema imune, prevenindo, parcialmente, algumas doenas infecciosas respiratrias. “O exerccio fsico tem um efeito sistmico. Melhora a resposta imune e as condies metablica e cardiovasculares do indivduo. Esses fatores podem trazer proteo contra diversos tipos de doenas crnicas e algumas infecciosas tambm. Mas, quando o quadro se agrava, outros preditores podem ser mais decisivos para o desfecho clnico”, explica o pesquisador Agncia FAPESP.
Os resultados da pesquisa indicam que para os casos graves de COVID-19 a presena de fatores de risco como obesidade, diabetes, doenas cardiovasculares e idade avanada foi mais determinante no prognstico do que a prtica pregressa de exerccios.
Os mais de 200 voluntrios tiveram seu histrico de atividade fsica no trabalho, no esporte e no lazer avaliado assim que foram hospitalizados. A informao foi obtida por meio de um questionrio validado. Tambm tiveram o diagnstico de COVID-19 confirmado por exame de RT-PCR, que identifica o material gentico do SARS-CoV-2 em secrees do nariz ou da garganta.
Foram includos pacientes que apresentavam dificuldade para respirar (mais de 24 respiraes por minuto) e ndice de saturao de oxignio no organismo menor do que 93%. Alm disso, tinham fatores de risco para COVID-19, como idade avanada, doenas cardiovasculares, diabetes, hipertenso arterial sistmica, neoplasias, imunossupresso, tuberculose pulmonar e obesidade.
Os dados referentes atividade fsica no foram associados com nenhum dos desfechos clnicos observados, como hospitalizao, necessidade de ventilao mecnica ou internamento em UTI e mortalidade.
Estudos complementares
Gualano explica que o resultado obtido na pesquisa com pacientes hospitalizados complementar a estudos anteriores – realizados com infectados de perfil variado (incluindo casos leves e moderados).
Divulgada recentemente, uma pesquisa on-line com 938 brasileiros que contraram COVID-19 apontou que a prevalncia de hospitalizao pela doena foi 34,3% menor entre os voluntrios considerados ativos – que realizavam pelo menos 150 minutos por semana de atividade fsica aerbica de intensidade moderada ou 75 minutos de alta intensidade.
“O nosso trabalho complementa os resultados obtidos com os casos mais leves da doena. Os estudos existentes avaliaram, principalmente, pessoas em estgios anteriores ao do nosso trabalho [em termos de progresso da doena], em que apenas a minoria dos pacientes necessitou de hospitalizao”, diz.
De acordo com opesquisador, alm de complementares, os dois estudos contribuem para o maior entendimento da doena e do efeito protetor da atividade fsica. “ tudo muito novo e ainda so poucos os estudos que relacionam COVID-19, atividade fsica e sistema imune. No entanto, ao analisar o que temos publicado sobre o assunto, notamos que a atividade fsica poderia eventualmente ser considerada um bom preditor at certo estgio de gravidade da doena, prevenindo complicaes. Mas isso no se revela verdadeiro nos casos mais crticos. um recado importante para no se fiar tanto no histrico de atividade fsica como um fator absoluto de proteo contra a COVID-19”, ressalta Gualano.
A investigao recebeu financiamento da FAPESP por meio de diversos projetos.
O risco dos atletas profissionais
O grupo de pesquisadores da FM-USP iniciou outro estudo que pretende investigar a resposta imune e o prognstico de COVID-19 em atletas profissionais. A coalizo Esporte-Covid-19, formada por pesquisadores do Hospital das Clnicas, Hospital Israelita Albert Einstein, Universidade Federal de So Paulo (Unifesp), Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e Ncleo de Alto Rendimento Esportivo, tem o apoio da Federao Paulista de Futebol e vai acompanhar as possveis consequncias da doena em jogadores de futebol.
“Queremos entender as eventuais sequelas da COVID-19 em atletas profissionais. Estudo realizado com 26 atletas universitrios nos Estados Unidos mostrou que eles podem apresentar dano cardaco ou indcios de inflamao no corao. Esses so dados novos e ainda no sabemos seu real significado para um competidor de alto rendimento”, diz.
No Brasil, campeonatos de futebol foram disputados em meio pandemia. Muitos jogadores se infectaram, ficaram de 10 a 15 dias em quarentena, voltando a jogar logo depois do perodo de isolamento. A maioria dos infectados permaneceu assintomtica ou apresentou casos leves da doena.
“Pela condio fisiolgica desses atletas de alto rendimento, certo que eles agravam menos. No entanto, queremos entender se todos eles passam ilesos, sem sequelas, pela COVID-19”, diz.
No estudo, os pesquisadores vo acompanhar 75 jogadores entre os que apresentaram sintomas, os assintomticos e os que no foram infectados. “Eles vo passar por uma rigorosa bateria de exames cardiovasculares, que incluem ecocardiograma, teste de esforo, avaliao da funo endotelial e ressonncia magntica cardaca, para investigarmos a possibilidade de danos persistentes . uma doena nova e no sabemos ainda se h sequelas e quais as repercusses em mdio e longo prazo, como, por exemplo, risco elevado de mal sbito. Essa investigao pode ajudar a construir um protocolo de retorno prtica esportiva ‘ps-COVID’ pautado em evidncias cientficas”, diz.
Outro aspecto importante do projeto est na possibilidade de ele tambm levantar indcios importantes sobre o funcionamento da doena para a populao em geral. “So atletas jovens, saudveis, com alimentao regrada e excelente condicionamento fsico. Em qualquer tipo de pesquisa comparativa, essa populao seria uma espcie de grupo controle ideal. Portanto, entender como esses indivduos respondem COVID-19 pode tambm nos dar pistas fisiolgicas importantes que podem servir na preveno de casos mais graves. A pesquisa tem o potencial de responder at que ponto o estilo de vida interfere nos sintomas e nas sequelas da doena”, diz.