25/03/2019 ( Caderno:
Matérias )

Pesquisadores brasileiros identificam sinais robustos da existncia
de um objeto gigante na constelao do Cisne, orbitando
um sistema binrio formado por uma
estrela viva e outra morta
Nas ltimas trs dcadas, foram descobertos quase 4 mil objetos semelhantes a um planeta situados fora do Sistema Solar e por isso chamados de exoplanetas orbitando estrelas isoladas. J a partir de 2011, por meio do satlite Kepler, da agncia espacial norte-americana (Nasa), foi possvel observar os primeiros exoplanetas girando em torno de sistemas binrios jovens, compostos por duas estrelas vivas, em cujos ncleos ainda h queima de hidrognio.
Agora, um grupo de astrnomos brasileiros encontrou as primeiras evidncias da existncia de um exoplaneta ao redor de um sistema binrio mais velho ou evoludo, em que uma das duas estrelas est morta.
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O estudo, resultado de um ps-doutorado e de um estgio de pesquisa no exterior, ambos com bolsa da FAPESP, foi publicado emThe Astronomical Journal, da Sociedade Americana de Astronomia.
Conseguimos obter indicaes bastante slidas da existncia de um exoplaneta gigante, com massa quase 13 vezes maior que a de Jpiter [maior planeta do Sistema Solar] em um sistema binrio evoludo. a primeira confirmao de um exoplaneta em um sistema desse tipo, disse Leonardo Andrade de Almeida, ps-doutorando na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e primeiro autor do estudo, Agncia FAPESP. O pesquisador fez ps-doutorado no Instituto de Astronomia, Geofsica e Cincias Atmosfricas da Universidade de So Paulo (IAG-USP) com superviso do professor Augusto Damineli, tambm autor do estudo.
Os pesquisadores encontraram sinais da existncia de um exoplaneta em um sistema binrio evoludo nomeado KIC10544976, localizado na constelao do Cisne, no hemisfrio celeste norte, por meio da anlise de diferentes pistas. Uma delas foi o efeito da variao do instante do eclipse.
O fenmeno caracterizado pela preciso do tempo em que ocorrem os eclipses das duas estrelas que formam um sistema binrio ao passar uma na frente da outra. Uma variao nesse tempo de ocorrncia de eclipses, chamado perodo orbital, forte indicador da existncia de um planeta ao redor de estrelas.
A variao do perodo orbital de um sistema binrio ocorre em razo da atrao gravitacional entre os trs objetos, que passam a girar em torno de um centro de massa comum, disse Almeida.
A identificao de variaes no perodo orbital, porm, no suficiente para a deteco de um planeta em um sistema binrio. Isso porque, assim como o Sol apresenta variao em seu ciclo de atividade magntica a cada 11 anos, marcada por um pico e o posterior declnio das manchas solares, outras estrelas tambm passam por esse mesmo processo.
A variao da atividade magntica do Sol e de outras estrelas isoladas causa uma alterao em seus campos magnticos. J em estrelas que compem um sistema binrio isso provoca uma mudana no perodo orbital, que chamamos de mecanismo Applegate, disse Almeida.
A fim de afastar a hiptese de que a variao no perodo orbital do KIC10544976 seria resultado apenas da atividade magntica, os pesquisadores analisaram o efeito da variao do instante do eclipse e o ciclo de atividade magntica da estrela viva do sistema binrio.
Esse sistema binrio (KIC10544976) composto por uma an branca a estrela morta, menor e com brilho alto (capacidade de refletir a luz) devido sua temperatura superficial elevada e uma an vermelha a estrela viva, com massa pequena em comparao do Sol e baixa luminosidade (capacidade de emitir luz). As duas estrelas foram monitoradas por telescpios terrestres entre 2005 e 2017 e pelo satlite Kepler entre 2009 e 2013, que geraram dados minuto a minuto.
"Esse sistema nico. Nenhum outro sistema similar possui dados suficientes que nos permitam calcular a variao do perodo orbital e o ciclo de atividade magntica da estrela viva, disse Almeida.
Por meio dos dados obtidos pelo satlite Kepler foi possvel estimar o ciclo magntico da estrela viva a an vermelha pela frequncia e energia das exploses nos campos magnticos (flares) e pelas manchas na superfcie da estrela associadas a essas ejees de energia.
As anlises dos dados indicaram que o ciclo de atividade magntica da an vermelha de 600 dias o que est de acordo com os ciclos magnticos medidos para estrelas isoladas de massa baixa. J a variao do perodo orbital do sistema binrio KIC10544976 foi de 17 anos.
Isso afasta totalmente a hiptese de que a atividade magntica gere essa variao do perodo orbital. A explicao mais plausvel a presena de um planeta gigante ao redor desse sistema binrio, com massa prxima a 13 vezes de Jpiter, disse Almeida.
Hipteses de formao
Ainda no se sabe como o planeta em torno do sistema binrio teria sido formado. Uma das hipteses a de que o objeto se desenvolveu ao mesmo tempo que as duas estrelas, h bilhes de anos. Nesse caso, seria um planeta de primeira gerao. Outra hiptese a de que foi gerado a partir do gs ejetado durante a morte da an branca sendo, portanto, um planeta de segunda gerao.
A confirmao de que se trata de um planeta de primeira ou segunda gerao e a sua deteco direta ao redor desse sistema podero ocorrer quando entrar em operao a nova gerao de telescpios gigantes com espelhos primrios maiores do que 20 metros. Entre eles, o Telescpio Gigante Magalhes (GMT, em ingls), no deserto do Atacama, no Chile, previsto para coletar sua primeira luz em 2024.
A FAPESP investir US$ 40 milhes no GMT, o que equivale a cerca de 4% do custo total estimado. O investimento garantir 4% do tempo de operao do telescpio para estudos realizados por pesquisadores de So Paulo.
Estamos sondando 20 sistemas com possibilidade de gravitar corpos externos, como o KIC10544976, e a maioria s observvel a partir do Hemisfrio Sul. O GMT permitir fazer a deteco direta desses objetos e obter respostas importantes sobre a formao, a evoluo e a possibilidade de vida nesses ambientes exticos, disse Almeida.
O artigo Orbital period variation of KIC 10544976: Applegate mechanism versus light travel time effect (DOI: 10.3847/1538-3881/ab0963), de Leonardo A. Almeida, Leandro de Almeida, Augusto Damineli, Claudia V. Rodrigues, Matthieu Castro, Carlos E. F. Lopes, Francisco Jablonski, Jos D. do Nascimento Jr. e Marildo G. Pereira, pode ser lido emThe Astronomical Journal em http://iopscience-iop-org-443.webvpn.jxust.edu.cn/article/10.3847/1538-3881/ab0963/pdf.