� esquerda, f�ssil de uma tecameba que, acredita-se,
viveu entre 720-635 milh�es de anos atr�s; � direita,
esp�cime de um grupo de amebas tecadas amebozo�rias modernas
(imagens: Luana Morais e Jo�o Alcino)

Maria Fernanda Ziegler | Ag�ncia FAPESP – H� 800 milh�es de anos, muito antes da forma��o do supercontinente Pangeia, a Terra era mais diversa do que sugere a teoria cl�ssica. Ao reconstituir a �rvore da vida, a partir da hist�ria evolutiva de amebas e depois de ancestrais de algas, fungos, plantas e animais, pesquisadores brasileiros conseguiram criar um cen�rio com v�rias linhagens de diferentes esp�cies habitando o planeta naquele per�odo.

As descobertas, publicadas na revista Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America (PNAS), indicam que diversas linhagens de eucariontes (seres vivos cujas c�lulas possuem n�cleo delimitado) surgidas h� 1,5 bilh�o de anos se diversificaram e se estabeleceram durante o evento de oxigena��o do Neoproterozoico – quando, h� 800 milh�es de anos, a geoqu�mica planet�ria permitiu a oxigena��o profunda dos oceanos.

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O estudo mostra tamb�m que a diversidade de amebas e ancestrais de plantas, algas, fungos e animais sobreviveram at� mesmo ao per�odo Criogeniano (entre 790 e 635 milh�es de anos atr�s), que contou com dois eventos de glacia��o – quando o gelo dos polos cobriu todo o planeta por cerca de 100 milh�es de anos (fen�meno conhecido como Terra Bola de Neve).

“O paradigma que t�nhamos para o Neoproterozoico era de que n�o havia quase nada no planeta, apenas uma ou outra esp�cie de bact�ria e protista. Por�m, nos �ltimos 15 anos, foram sendo identificados f�sseis de seres unicelulares, eucariontes e heterotr�ficos [que n�o produzem o pr�prio alimento] em diversos lugares diferentes do planeta. Esses f�sseis datam de cerca de 800 milh�es de anos [e s�o denominados f�sseis tonianos]. Tudo isso se junta ao nosso estudo, que reconstituiu a �rvore da vida e, por probabil�stica, identificou diversas linhagens bem estabelecidas de ancestrais de amebas, animais, fungos e plantas h� 800 milh�es de anos. Isso muda muito o nosso entendimento sobre como se deu a diversifica��o da vida na Terra”, conta Daniel Lahr, professor do Instituto de Bioci�ncias da Universidade de S�o Paulo (IB-USP) e autor s�nior do artigo.

Desse modo, o trabalho antecipa em cerca de 260 milh�es de anos os eventos de diversifica��o em massa no planeta, ou seja, muito antes da chamada revolu��o do Cambriano, ocorrida h� 540 milh�es de anos, quando houve uma inexplic�vel explos�o de novas esp�cies pluricelulares. Nesse per�odo, a Terra – habitada por seres como os trilobitas, braqui�podes e grapt�litos – j� apresentava um clima moderado, �mido e nenhuma forma��o de gelo que pudesse ser caracterizada como geleira.

“Mesmo com todas as altera��es clim�ticas sofridas no Neoproterozoico, a diversidade dos eucariontes persistiu, mostrando um poder de adapta��o acima do esperado. Isso � importante, pois o nosso trabalho de reconstitui��o de �rvore filogen�tica serve tamb�m de base para estudos de reconstru��o paleoclim�tica”, conta.

“Algo inusitado � que todas as amebas Arcellinida desse per�odo eram de �gua salgada e, atualmente, todas t�m a �gua doce como h�bitat. Trata-se de uma mudan�a comum de acontecer ao longo da hist�ria da Terra, mas, no caso dessas amebas, a mudan�a ocorreu com todas as linhagens. Isso mostra, mais uma vez, a capacidade de adapta��o desses seres vivos”, afirma Lahr.

No trabalho, os pesquisadores usaram t�cnicas inovadoras para a reconstru��o da �rvore de rela��es de parentesco (filogen�tica) das tecamebas (Arcellinida) e, a partir disso, calibraram a �rvore da vida, identificando ancestrais de plantas, fungos, algas e animais, por exemplo.

“A base para criar essa reconstitui��o foram as tecamebas e, a partir desse trabalho, fomos conseguindo visualizar outros seres vivos que antecederiam outros grupos e que tamb�m estariam presentes e diversificados naquele per�odo da Terra, h� 800 milh�es de anos", explica Lahr � Ag�ncia FAPESP.

Vale destacar que as tecamebas representam o maior grupo do clado (conjunto de organismos originados de um ancestral comum) Amoebozoa, uma grande linhagem de seres que se locomovem por proje��es celulares chamadas pseud�podes. Estudo anterior do grupo da USP permitiu estruturar a �rvore molecular das tecamebas (leia mais em: agencia.fapesp.br/29929).

“Com aux�lio de matem�tica probabil�stica conseguimos determinar a morfologia de tecamebas ancestrais [a partir de dados gen�ticos de esp�cies que vivem hoje na Terra] para depois comparar com a morfologia dos f�sseis. Neste estudo, identificamos linhagens ancestrais das tecamebas e uma maior diversifica��o desses organismos no Neoproterozoico”, relata Lahr.

No estudo publicado em PNAS, os cientistas avan�aram no entendimento de como era o planeta h� 800 milh�es de anos a partir do uso dessas linhagens de tecamebas como pontos de calibra��o para a �rvore da vida com plantas, algas, fungos, animais e seus antepassados. A pesquisa recebeu apoio da FAPESP por meio de um Aux�lio � Pesquisa – Regular e de uma Bolsa de Doutorado.

“A partir dessa amplia��o da �rvore da vida, foi poss�vel obter descobertas interessantes sobre um per�odo da hist�ria do planeta que ainda era muito obscuro. Com a calibra��o da �rvore a partir do estudo filogen�tico das tecamebas, conseguimos duplicar a quantidade de informa��o sobre os eucariontes no Neoproterozoico. Nossos dados mostram que � nesse momento que come�a a surgir uma diversidade grande de linhagens, uma delas � a dos animais, outra dos fungos e, possivelmente, as plantas”, diz o pesquisador.

Como explica Lahr, o trabalho se baseia em uma t�cnica inovadora denominada single-cell transcriptomics, que permite sequenciar todo o transcriptoma de uma �nica c�lula (ser unicelular). O transcriptoma � a parte do genoma que est� sendo expressa e o seu sequenciamento permite que os cientistas retrocedam na linhagem evolutiva, identificando esp�cies que viveram no passado.

"Antes dessa t�cnica s� era poss�vel obter o transcriptoma de seres vivos unicelulares que vivem em cultura, ou seja, menos de 1% da diversidade dos microrganismos. Foi a partir dessa inova��o que fomos conseguindo estruturar a filogenia do grupo das tecamebas como um todo. � um grupo bem diverso e se mostra interessante para iluminar esses per�odos da hist�ria da Terra, por terem registros f�sseis com os quais podemos fazer compara��es. Fora isso, na �rvore da vida, as amebas est�o mais pr�ximas dos animais do que eles est�o das plantas, o que nos permitiu fazer calibra��es importantes", diz.

O artigo Amoebozoan testate amoebae illuminate the diversity of heterotrophs and the complexity of ecosystems throughout geological time pode ser lido em: www.pnas.org/doi/abs/10.1073/pnas.2319628121.

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