20/11/2018 ( Caderno:
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Cientistas coletaram dados de dezenas de fmeas
e machos da espcie para traar um panorama do
comportamento da ona-pintada,
o maior felino das Amricas

O pesquisador Emiliano Ramalho ( esquerda), coleta
amostras biolgicas de ona-pintada na Amaznia
A ona-pintada (Panthera onca) uma espcie extremamente verstil. Apesar das persistentes redues em seu habitat natural, causadas pela ao humana, que cada vez mais altera a cobertura original dos biomas sul-americanos e ameaa a biodiversidade local, as onas ainda possuem considervel distribuio geogrfica, podendo ser encontradas em ambientes quase opostos, do semirido da caatinga brasileira s florestas alagveis da Amaznia, onde passam boa parte do ano em cima das rvores.
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Para entender melhor a relao desses animais com os recursos disponveis para a sua sobrevivncia em paisagens to diversas, o artigo "Resource selection in an apex predator and variation in response to local landscape characteristics" (acesse aqui), publicado no peridico "El Sevier - Biological Conservation 228 (2018)", utilizou dados de telemetria (tcnica que determina o posicionamento dos animais ao longo do tempo a partir de rastreadores via GPS) de 20 machos e 20 fmeas para traar um panorama do comportamento da ona-pintada em cinco biomas diferentes da Amrica do Sul: Mata Atlntica, Cerrado, Caatinga, Amaznia e Pantanal.

Estudo lana perfil mais atual das onas-pintadas na Amrica do Sul
"A ona uma espcie guarda-chuva. Por precisar de reas amplas e ser carismtica, a conservao dela permite a conservao de outras espcies tambm", afirma Emiliano Esterci Ramalho, diretor Tcnico-Cientfico do Instituto Mamirau e um dos pesquisadores que participou do estudo. "Se voc preservar uma rea apenas preocupado com a ona-pintada, voc necessariamente estar preservando vrias outras espcies daquela regio"

Compreendendo 30% da distribuio geogrfica da espcie, que vai da Amrica Central ao sul da Amrica do Sul, a pesquisa teve como objetivo identificar o que faz com que as onas prefiram determinados recursos (cursos de gua, proximidade a gado, cobertura de florestas etc.), em escalas espaciais distintas: sua rea de vida (a extenso total pela qual se deslocam durante a vida) e a rea por onde procuram alimento. E assim, entender como essa seleo se altera, entre diferentes gneros e indivduos, como resultado da disponibilidade dos recursos no ambiente. De 1998 a 2015, foram registrados 87.376 posicionamentos individuais, atravs dos rastreadores, entre as 40 onas.
"Conseguimos, pela primeira vez, juntar dados e fazer uma anlise de uso de espao e dos recursos naturais por essa espcie, que ainda muito pouco conhecida, no s em sua 'rea de vida', mas tambm em uma rea menor, em relao s escolhas que ela faz em uma escala reduzida. Conseguimos ter uma ideia mais refinada de como ela consegue os recursos", explica Emiliano.
A pesquisa englobou indivduos em oito ambientes diferentes de cinco biomas sul-americanos: a Reserva de Desenvolvimento Sustentvel Mamirau (Amaznia), o Parque Nacional da Serra da Capivara (Caatinga), reas privadas no Cerrado brasileiro, os parques nacionais do Igua, no Brasil, e Iguaz, na Argentina (Mata Atlntica), o Parque Estadual de Ivinhema (Mata Atlntica), o Parque Nacional do Morro do Diabo (Mata Atlntica), a Estao Ecolgica Taiama (Pantanal) e a Fazenda Caiman (Pantanal).
O artigo fruto de um esforo internacional que reuniu 29 pesquisadores de 18 diferentes centros de cincia, entre eles o Instituto Mamirau, uma unidade de pesquisa do Ministrio da Cincia Tecnologia, Inovaes e Comunicaes (MCTIC).
O perfil da ona-pintada
A pesquisa relacionou a proximidade dos animais a diversos fatores presentes nos locais examinados e confirmou hipteses levantadas pelos pesquisadores. Descobriu-se que as onas tendem a evitar locais sem florestas em regies onde elas cobrem mais de 58.4% da rea. Entretanto, essa tendncia pode variar significativamente em reas diferentes, o que sugere que os indivduos da espcie podem alterar sua preferncia em funo da disponibilidade de florestas em seu habitat.
De uma forma geral, as onas analisadas mostraram-se interessadas por regies prximas a cursos de gua (como rios, lagos e igaraps), tanto do ponto de vista da extenso total de seu habitat, quanto nos momentos em que estavam procura de alimento, ainda que a distribuio de onas inclua tambm lugares extremamente ridos, onde a gua escassa. Isso sugere que esses felinos mudam seu comportamento de acordo com o tipo de ambiente no qual esto inseridos, podendo aumentar a extenso de sua movimentao, a rea de seu local de repouso, sua atividade noturna e o uso de vales e cavernas para amenizar a temperatura e evitar a perda de gua.
Ainda em relao ao uso da gua pela espcie, notou-se que indivduos que tendiam a frequentar locais distantes de grandes corpos de gua no necessariamente se locomoviam para acess-los em outros lugares e, provavelmente, acessavam esse recurso atravs de fontes bem menores, sobre as quais no se tem registro.
Foi descoberto tambm que as onas preferem locais de menor densidade humana, evitando regies com maiores concentraes populacionais. Por outro lado, a presena de gado, um risco para os animais devido possibilidade de conflitos com criadores, parece atrair indivduos machos nos momentos em que esto procura de presas, enquanto o mesmo no acontece com as fmeas. possvel que essa diferena entre os gneros acontea por conta da extenso maior percorrida pelos machos diariamente, o que pode aumentar a sua probabilidade de encontrar gado. O interesse dos indivduos pelo gado pode ser um reflexo da disponibilidade de presas nas regies examinadas.
Outro aspecto do comportamento das onas-pintadas observado pelo estudo o quanto a presena de estradas afeta o deslocamento desses animais. De acordo com os dados coletados, no se identificou grandes alteraes nas reas percorridas pelos indivduos da espcie quando prximos a estradas, o que representa um risco conservao dos felinos, tendo em vista a possibilidade de colises com veculos.
A ona-pintada considerada uma espcie indicadora da sade da biodiversidade de uma regio. Por estarem no topo da cadeia alimentar, se as onas esto bem, provvel que todo o ecossistema que as alimenta tambm esteja. A partir dos resultados observados pelo estudo, possvel estabelecer prioridades para a conservao da espcie.
"A gente precisa ter investimento continuado em cincia, conservao, divulgao da cincia, para preservarmos esses animais. A ona-pintada smbolo da biodiversidade brasileira, ento precisamos conservar essa espcie. Temos que investir em cincia, porque cincia a base fundamental para conservarmos a biodiversidade", argumenta Emiliano Ramalho.