06/03/2020 ( Caderno:
Matérias )

Estudo feito no Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de
Desastres Naturais tambm revela aumento de dias secos
consecutivos, sugerindo que eventos de precipitao
intensa esto se concentrando em perodos mais
curtos e espaados
Chuvas extremas, como a que inundou So Paulo no incio de fevereiro quando foram registrados na cidade 114 milmetros (mm) de precipitao em 24 horas, o segundo maior volume desde 1943 segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) tm se tornado cada vez mais comum na regio.
Estudo feito por pesquisadores do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), rgo vinculado ao Ministrio da Cincia, Tecnologia, Inovaes e Comunicaes (MCTIC), apontou um aumento significativo na Grande So Paulo do volume total de precipitao e da ocorrncia de eventos extremos de chuva no vero nas ltimas sete dcadas.
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Enquanto para os anos 1950 praticamente no h registro de dias com chuvas fortes com mais de 50 mm , na ltima dcada foram observados de dois a cinco dias por ano com esse volume de precipitao na regio metropolitana da capital, constataram os autores.
Os resultados do estudo, apoiado pela FAPESP no mbito do Programa de Pesquisa sobre Mudanas Climticas Globais (PFPMCG), foram publicados nos Anais da Academia de Cincias de Nova York.
O trabalho tambm teve a participao de pesquisadores do Inmet e dos institutos Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e de Astronomia, Geofsica e Cincias Atmosfricas da Universidade de So Paulo (IAG-USP).
Essas chuvas intensas, com durao de poucas horas e grande volume de gua, com 80 ou at mais de 100 mm, tm deixado de ser eventos espordicos. Esto acontecendo com frequncia cada vez maior, disse Agncia FAPESP Jos Antonio Marengo, pesquisador do Cemaden e coordenador do estudo.
Os pesquisadores fizeram um levantamento de chuvas com forte intensidade e curta durao na Grande So Paulo nas ltimas dcadas com base nos registros das estaes meteorolgicas do IAG-USP e do Mirante de Santana, situado na zona norte da cidade.
As anlises indicam aumento na ocorrncia de dias com chuva forte e na frequncia de eventos extremos de precipitao na Regio Metropolitana de So Paulo, particularmente na primavera e no vero.
A estao seca, que costumava ficar concentrada entre abril e setembro na maior parte do Estado de So Paulo, tem durado at outubro nas ltimas dcadas.
O nmero de dias secos consecutivos tambm aumentou gradualmente, sugerindo que os eventos de chuva intensa esto concentrados em menos dias, espaados entre perodos mais longos de seca e de temperatura elevada.
Com menos noites frias e dias mais quentes, h mais chance de chuvas convectivas que ocorrem quando a massa de ar quente elevada at as camadas mais frias da atmosfera , aumentando a frequncia e a intensidade de chuvas extremas, avaliaram os pesquisadores.
Observamos uma tendncia de longo prazo desse tipo de evento climtico. H indicaes muito fortes de que h uma mudana de clima em andamento, afirmou Marengo.
Os registros das estaes meteorolgicas do IAG-USP e do Mirante de Santana indicam que o nmero de dias com chuvas acima de 100 mm na cidade aumentou quase seis vezes entre 2000 e 2018 em comparao com as dcadas de 1940 e 1960.
As observaes da estao do IAG-USP tambm mostram aumento na frequncia e na intensidade de chuvas intensas e dias secos consecutivos entre 1931 e 2017.
Esses dados sugerem que o aumento do volume total de chuvas em So Paulo nas ltimas dcadas se deve ao aumento de precipitaes pesadas, concentradas em menos dias e com mais tempo seco entre elas, explicou Marengo.
As causas
De acordo com os pesquisadores, as mudanas no regime de chuvas da Grande So Paulo podem ser decorrentes da variabilidade climtica natural, mas tambm podem estar relacionadas ao aquecimento global e ao crescimento da urbanizao, em especial nos ltimos 40 anos, o que contribuiu para agravar o efeito conhecido como ilha de calor na cidade.
Com o aumento da urbanizao, o solo da regio antes exposto e com vegetao remanescente da Mata Atlntica foi sendo cada vez mais coberto por materiais como asfalto e concreto, que absorvem muito calor e no retm umidade.
Com isso, durante o dia o clima fica muito quente e, noite, o calor acumulado liberado para a atmosfera. A umidade relativa do ar da cidade reduzida e a evaporao de gua do solo para a formao de nuvens acelerada, explicou Marengo.
Esse efeito induziu o aumento de eventos extremos de chuva na Regio Metropolitana de So Paulo no perodo de 1933 a 2010, afirmou o pesquisador.
Essas mudanas no regime de chuvas da regio, aliadas ocupao inadequada de reas de risco, como encostas e margens de cursos de gua, tm causado, nos ltimos 20 anos, um aumento de desastres hidrometeorolgicos, como inundaes, enxurradas e deslizamentos de terra, apontam os autores do estudo.
Um evento de precipitao extrema no um desastre natural por si s. Os chamados desastres naturais, na verdade, resultam de uma combinao de fatores climticos, meteorolgicos, urbanos, econmicos e sociais. Ou seja, so tambm desastres antrpicos, resultantes de aes humanas e no apenas do clima, disse Marengo.
O Estado de So Paulo lidera as estatsticas de inundao, com 33,36% do nmero de casos. seguido por Santa Catarina (11,25%), Rio Grande do Sul (9,06%), Paran (8,33%), Rio de Janeiro (7,28%) e Minas Gerais (5,96%).
Entre 2014 e 2018, ocorreram 168 inundaes repentinasdeflagradas por chuvas extremas. Esse tipo de desastre hidrometeorolgico uma das principais causas de fatalidades no pas, como mortes e ferimentos, seguido por deslizamentos de terra.
As regies Sudeste e Sul do Brasil so as mais afetadas por esses desastres hidrometerolgicos porque tm maior densidade populacional, afirmou Marengo.
Os deslizamentos de terra, por exemplo, s matam pessoas porque elas so foradas a viver em reas de risco, onde no deveriam. As ruas s enchem de gua porque os rios foram canalizados e as cidades, impermeabilizadas, cobertas de asfalto e concreto.
O artigo Trends in extreme rainfall and hydrogeometeorological disasters in the Metropolitan Area of So Paulo: a review (DOI: 10.1111/nyas.14307), de Jos A. Marengo, Lincoln M. Alves, Trcio Ambrizzi, Andrea Young, Naurinete J. C. Barreto e Andrea M. Ramos, pode ser lido nos Anais da Academia de Cincias de Nova York em nyaspubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/nyas.14307.