Márcia Pavarini
Texto e fotos
(Matéria publicada na revista Viaje Mais)

É preciso citar belezas de vários países para descrever Montenegro. Imagine um lugar com praias turquesa, tão encantadoras quanto as da Grécia; exuberantes picos corrugados como os da Suíça, cânions tão profundos quanto os do Colorado, muralhas e cidadelas medievais como as da Espanha, elegantes palacetes como os de Veneza, tudo isso numa área de aproximadamente 2/3 do tamanho da Inglaterra, e o melhor, um clima mediterrâneo que, na meia estação, dá para banhar-se nas idílicas praias ou esquiar – nas montanhas – no mesmo dia.
Localização

Encravado entre os Bálcãs e o mar Adriático, Montenegro é um oásis da tranquilidade, apesar de estar cercado por vizinhos com histórico político conturbado: Bósnia, Sérvia, Kosovo e Albânia. Na fronteira com a Croácia, não se estende por mais do que alguns quilômetros. Bálcãs é o nome geográfico adotado para designar a região sudeste da Europa, que engloba Albânia, Bósnia-Herzegovina, Bulgária, Montenegro, Grécia, Sérvia e Turquia.
Origem do Nome

A origem do nome da nação vem da expressão eslava “Crna Gora” que significa “Montanha Negra”, em razão da topografia da região ser excessivamente montanhosa e coberta por florestas negras. O termo “Crna Gora” deriva da palavra turca para “montanha” e faz referência à cordilheira dos Bálcãs que se estende do leste da Sérvia até o mar Negro. Os venezianos, que dominaram a região na Idade Média, ocidentalizaram o termo que virou “Monte Negro”.

Quem chega ao país de avião pode admirar os picos nevados, o lago negro “Crno Jezero” (olhos da montanha), e ainda, os 18 lagos do maciço Dormitor, com 2.522 m – o mais alto do país – bordeado de pradarias ao meio da centenária floresta negra. A cidade de Žabljak, com acesso ao parque, está localizada a 1.456 m aos pés do Dormitor, no Parque Nacional do mesmo nome, ao norte do país.

É nessa reserva natural do Dormitor, que a poderosa correnteza do rio Tara, chamado de “lágrima da Europa”, criou, ao longo de 82 km, o segundo mais profundo cânion do mundo – com 1.300 m de profundidade – só perdendo para o Grand Canyon do rio Colorado. Pela beleza da paisagem, o parque foi tombado pela UNESCO como Patrimônio Natural da Humanidade. Hoje, o cânion atrai turistas que viajam ao país em busca de aventura, do contato com a natureza ou do excitante rafting nas turbulentas águas do rio Tara.

A viagem a Montenegro é um retorno à história e ao esplendor da época medieval, não só pelas paisagens como pela arquitetura das cidades costeiras, extremamente preservada, a exemplo de Kotor, um verdadeiro museu a céu aberto.
Geografia


O território é essencialmente montanhoso – com 60% do país acima de 1.000 m de altitude – e forma uma das regiões mais acidentadas de todo os Bálcãs.
História


Marcado por incontáveis ocupações ao longo de sua história – gregos, romanos, bizantinos, eslavos, otomanos e sérvios, entre outros –, Montenegro foi parte da Albânia Vêneta, uma possessão da República Veneziana que ocupou a região nos séculos XIV e XV. Na época, o centro administrativo da Albânia Vêneta era na cidade antiga de Kotor, o que explica a influência marcante daquele povoado.
No século XVI, Montenegro ficou sob o jugo dos otomanos. Posteriormente reconquistado pelo exército de Napoleão, tornou-se parte do império francês até 1814, quando foi incluído ao império Austríaco. Em 1928, integrou-se à Croácia, Sérvia, Eslovênia e Bósnia, quando então foi criada a República da Iugoslávia.

Só em 3 de junho de 2006 é que Montenegro declarou sua independência total, tornando-se o país número 192 da ONU.
População

Esse pequeno enclave montanhoso, com aproximadamente 680 mil habitantes (43% montenegrinos, 32% sérvios, o restante dividido entre bósnios, croatas e albaneses), carrega as marcas de uma identidade construída sobre a resistência contra o império otomano, por centenas de anos. A maioria da população (74%) professa a fé ortodoxa, enquanto apenas 18% adota o islamismo e apenas 4% o catolicismo.
Entrada ao país na fronteira com Croácia pela Baía BokaKotorska

Assim que se atinge a Baía de Boka Kotorska por terra, vindo da Croácia – que fica a 60 km –, o visitante fica hipnotizado pela beleza da paisagem. É como se as montanhas tivessem se partido ao meio e deixado o mar entrar por 30 quilômetros. Os picos elevam-se sobre a estreita costa, protegendo a baía do severo clima do norte. Em razão disso, Boka Kotorska é considerada um oásis de vegetação do Mediterrâneo, com plantações de palmeiras, kiwis, mimosas, oliveiras, pinheiros, ervas medicinais, entre outras. Rosas florescem nos morros, enquanto continua nevando no pico das altas montanhas acima da baía.
Baía Boka kotorskae suas vilas costeiras


Boka Kotorska está dividida em quatro pequenas baías: Hercegnovski, Risanski, Kotorski e Tivatski. Como um colar de pérolas, uma série de pequeninas cidades medievais alinha-se ao longo da costa. Do lado oeste da baía estão os pequenos povoados de pescadores como Muo, Perčanj e Stoliv. Na parte leste, as cidadelas de Dobrota, Orahovac, Risan e Perast, com edificações românicas, igrejas barrocas e mosaicos bizantinos, que são verdadeiros tesouros da história, da arte e da cultura do país. Kotor e Tivat ficam a sudeste da baía. Boka Kotorska é uma simbiose da beleza natural e da obra humana.


Cada vila do litoral possui sua própria história e características. Herceg Novi é a cidade dos fabulosos jardins botânicos mediterrâneos, vila de escritores e artistas. Perast, uma vila romana e de antigos estaleiros. Risan ainda conserva seus mosaicos do século II. Budva, a cidade dos teatros, dos festivais em pleno ar livre, com deslumbrantes praias e vibrante vida noturna.
BUDVA � Riviera de Budva - grande beleza próxima a Kotor

A aproximadamente 40 km a sudeste de Kotor fica a pitoresca cidade litorânea de Budva. Com uma atmosfera de cidade velha, é cercada por numerosas praias de águas calmas e cristalinas, que são invadidas por turistas russos e ucranianos durante a alta estação. À noite, em Budva, o movimento é intenso. Estonteantes “strippers” ficam na porta dos bares, à beira-mar, convidando os clientes para uma noitada gastronômica e etílica. Seguindo ainda a costa sudeste fica a belíssima Riviera de Budva, com a pequena cidade de Sveti Stefan, em forma de istmo, cercada por um mar turquesa e coroada por areias brancas.
Kotor - Medieval, o Ponto Alto da Viagem

Mas, a estrela máxima e o ponto alto do turismo em Montenegro é a cidade medieval de Kotor. Localizada na baía de Kotorska, a 100 km de carro de Dubrovnik, e aos pés do Monte Sveti Ivan (São João), a cidade de Kotor é um antigo centro marítimo e cultural. Por séculos, ele foi o cruzamento das rotas comerciais, com forte influência da República Veneziana.

A cidade velha de Kotor está majestosamente preservada, com sua urbanização típica da Idade Média, construída nos séculos XII e XIV. A arquitetura medieval e os numerosos monumentos de herança cultural colocaram Kotor no topo da lista da UNESCO como Patrimônio Histórico e Natural da Humanidade.

A cidadela intramuros, concebida em formato triangular – cercada por dois rios pelos lados, pelo mar à frente e a montanha atrás – exibe um intrigante labirinto de estreitas ruelas e quarteirões entre as edificações históricas, numa harmoniosa diversidade de estilos: barroco, renascentista, bizantino, veneziano. A beleza única de Kotor é expressa nas casas de pedra, palácios, igrejas, em contraste com o mar cristalino e os vertiginosos contornos das montanhas Lovćen, no horizonte, com 1.749 m.
Arquitetura, riquezas culturais e Muralhas de Kotor

A riqueza cultural de Kotor guarda significantes monumentos históricos como: a Torre do Relógio (1602), a Catedral de Sveti Trifón (1166), a Igreja Sveti Luka (1195), o Palácio Real (séc. XVII), a Igreja da Sveta Marija (séc. XII), a Igreja da Senhora da Saúde (séc. XV) e o Teatro de Napoleão (séc. XIX).


Kotor é uma das poucas cidades do Mediterrâneo que conservam quase intactas as suas muralhas fortificadas. Com 4,5 km de extensão e até 20 m de altura, a muralha cerca a cidadela de Kotor num formato de meia asa de borboleta, que começa na parte baixa, ao nível do mar, vai subindo morro acima, para depois descer as encostas escarpadas do Monte Sveti Ivan (São João), num abraço protetor. A fortaleza, verdadeira guardiã histórica da cidade, possui três portões, através dos quais, durante séculos, os habitantes entravam e saíam durante o dia, uma vez que à noite eram fechados para evitar as invasões-surpresa. Hoje, os portões são marcos da história e ícones da cidade. Por qualquer um dos três que se entre, a estrada leva ao mais famoso edifício – a Catedral Sveti Trifón –, dedicada ao santo protetor da cidade com o mesmo nome.

A porta principal da muralha dá acesso à maior e mais bela de todas as praças, a chamada Praça das Armas, onde pulsa o coração da cidade, com incontáveis barzinhos badalados, glamorosos cafés, lojas de grife, de souvenir, joalherias, antiquários, pizzarias e restaurantes, todos rodeados por edificações medievais.

Em frente à Praça das Armas, eleva-se a Torre do Relógio, erigida em 1602. Seu antigo relógio data do período da ocupação napoleônica. A torre permanece levemente inclinada, em consequência dos diversos abalos sísmicos que ocorreram na região.

O setor mais antigo da muralha remonta ao século XI, com resquícios da fortificação ilírica (os ilírios foram os primeiros a povoarem a região). A parte mais recente da muralha data do século XIV.

Percorrer a pé toda a extensão da muralha é uma das experiências mais marcantes da visita a Kotor. A trilha da fortaleza que serpenteia a montanha, com seus 1.340 degraus, passa pela igreja de Nossa Senhora, a 110 metros, e segue para o ponto mais alto, o Forte San Joao (Sveti Ivan), a 280 m. O percurso pode ser feito em aproximadamente 2 horas. A dica é subir de tênis, pois a trilha é irregular e com muitas pedras. Convém levar protetor solar, um chapéu e água, já que não há nada pelo trajeto. Ah, não se esqueça da câmera, porque a vista da cidade de Kotor e da baía não pode ser descrita em palavras – ela deve ser sentida, experimentada, gravada na memória, para depois ser perpetuada em imagem.

A visão lá do alto é estarrecedora. Os paredões da muralha equilibram-se pelo aclive das encostas, convergindo para a cidade velha de Kotor, às margens da exuberante Baía Boka Kotorska.

Mas o espetáculo da paisagem não se restringe apenas sob a luz do sol. Ele supera a própria grandiosidade quando a noite cai e o reflexo das luzes da cidade, da muralha e da fortaleza, lá do alto no Monte Sveti, deita-se sobre as águas espelhadas da baía, como se fosse a alma gêmea da velha Kotor, desenhando no mar o contorno de uma borboleta iluminada.
O melhor local para se apreciar e fotografar essa delirante ilusão ótica noturna é da Vila de Muo, um antigo povoado de pescadores, que fica do outro lado da baía, a apenas 5 km de Kotor.

Não importa a maneira como se chega ou o ponto de entrada a Montenegro, o visitante é brindado pela natureza intacta, paisagens fascinantes, cidades medievais, edificações históricas, um ambiente descontraído e um povo pra lá de acolhedor.

A cada entardecer, quando a noite vence a batalha com os raios do sol, o reflexo de Kotor reaparece nas águas calmas da baía, como acontece há centenas de anos. Com a luz das antigas tochas ou da moderna eletricidade, ela brilha em dobro. A cidade recupera o silêncio e a tranquilidade para se olhar no mar espelhado e perceber que a sua beleza não tem idade. Aí, parece se perguntar: “Espelho, espelho meu, existe cidade mais bonita que eu?” Quando a lua toma conta do céu, faz a sua parte emprestando um prateado ao cenário. Não há quem não se sinta hipnotizado por esse momento mágico. Até mesmo Napoleão deve ter se encantado com a noite na Baía de Kotorska.


DICAS
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Restaurante Nota 10 – Em Budva: Restaurante Porto – Peça o prato típico: Punjene Ligne (lula recheada).
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Hospedar-se no povoado de Muo. Da janela do hotel se tem uma esplêndida vista noturna da cidade iluminada de Kotor e da fortaleza refletidas no mar.
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Hotel em Muo – Euro Café – Localizado no waterfront, é uma tradicional construção de pedra com quartos confortáveis e cozinha comunitária a preço bem razoável. O mais interessante é que os proprietários falam português, já que viveram em Portugal. E-mail do Euro Café: lemaja1@t-com.me.